Sunday, January 15, 2006

Memórias de Estrada


São 8H30 e o dia amanheceu frio. Não vou ao volante de um chevrolet pela estrada de Sintra, mas no meu cansado ZX pela Nacional 124, assim se chama o braço que une Alcoutim a Martinlongo. Saio da sede do concelho com vontade de chegar à terra do bom pão. Atravesso o deserto de Portugal embalado pelas rádios andaluzas. Por vezes a jactância do Nuno Markl lá me vai chegando como a água à torneira depois de ter faltado. A TSF não conhece a serra do caldeirão e as restantes hertzianas dispersam-se com os ventos.Guardado pelos renques de musculados eucaliptos, sugadores implacáveis das sobras da humidade nocturna, percorro com o olhar a perder de vista pinheiros mansos a haver, enfezados, a sonhar com as primeiras chuvas. A terra está dura e envelhecida, estéril e resignada. Um bando de perdizes, pesadas no seu voo assustado, evita a morte por atropelamento. A caça tem por estes lados seculares tradições: Alcoutim foi couto para romanos, árabes e cristãos certamente. Passei há pouco pelas cortadas para o Tesouro, Alcarias e Giões, onde a GNR impõe paragem obrigatória.Aqui e além moinhos esboroados pela ruína a testemunhar o abandono, a ilustrar a desertificação, a recordar as memórias da farinha que alimentou gerações. À chegada, lenta e forçada pelas bandas de abrandamento no asfalto, a Martinlongo, topónimo heterográfico com honras de televisão, a padaria que coze incansável a farinha do presente amassada com a água do futuro. Do seu generoso forno partem pela noite e estrada fora carregamentos de pão para todo o Algarve, para a capital e para a Espanha flamenca mais vizinha.No regresso, irei pelo entardecer empurrado pelos ventos do norte e ainda iluminado pelo sol de oeste que irá deixando nas nuvens lenços desfeitos com cores de esperança.

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